DIÁRIO DE
BORDO
A NAU DA HISTÓRIA
INTRODUÇÃO
Bem vindo
a bordo! A proposta desta narrativa, através deste diário de bordo, é trazer à
tona, em alguns capítulos, fatos históricos importantes da navegação marítima
no litoral da Bahia, através de um roteiro repleto de imagens inéditas do mundo
submarino e encenações de episódios ocorridos em naufrágios, mostrando o
litoral desde Porto Seguro até Arembepe, destacando a maior área do comércio
marítimo do Atlântico Sul nos séculos XVI, XVII e XVIII, à Baía de Todos os
Santos.
Fig. 1 – Perspectiva Naufrágios litoral baiano
Nessa
Nau, você também vai conhecer como o comercio marítimo teve papel fundamental
para o povoamento e o desenvolvimento da Bahia e do Brasil na era colonial, os
acidentes navais, os saques dos corsários no passado, as batalhas pela
independência da Bahia, a importância dos Fortes na defesa da Bahia contra as
Naus que queriam a todo custo desembarcar em nossas praias carregadas com seus
potentes canhões e centenas de homens dispostos a saquear e dominar o comercio
marítimo da época e também assuntos de grande interesse nos dias atuais, como a
influência das atividades humanas sobre os ecossistemas marinhos, conduzindo o
leitor numa aventura emocionante pelo litoral baiano, destacando alguns dos
mais de 200 naufrágios registrados entre 1535 e 1970.(Esses naufrágios estão
registrados no livro "NAUFRÁGIOS E AFUNDAMENTOS na costa brasileira"
de JOSÉ GOES DE ARAÚJO)
Ainda
sobre os naufrágios, irei mostrar as dificuldades encontradas pelos verdadeiros
descobridores dos naufrágios ocorridos em nosso litoral e em outros portos, a
atual situação em que se encontram os sítios, o destino das peças retiradas e
as prováveis soluções para a manutenção e preservação destes achados para a
cultura e o turismo.
A NAU
A bordo
desta Nau, também irei relatar um pouco da minha história, da minha infância em
Valença e no Morro de São Paulo, além de minhas aventuras como mergulhador
Profissional com mais de 20 anos no mar, trabalhando em portos, navios,
barragens, plataformas, resgate de navios naufragados e cursos de mergulho,
mostrarei também os equipamentos de mergulho utilizados para pesquisas e operações
profissionais em plataformas, construção de cais e outras operações que fazem
com que o mergulho se torne uma profissão emocionante e fascinante.
A TRIPULAÇÃO
Os
tripulantes: Esta obra, assim como uma Nau, não poderia navegar (existir) se
não fosse a sua tripulação a qual tenho um carinho especial e um grande orgulho
de tê-los a bordo, o meu grande amigo AIRES MACHADO o artista, designe e
desenhista, que retrata perfeitamente os personagens, as emoções, as naus e os
mares que ilustram esta viagem. O grande escrivão, redator e roteirista MARCELO
PITA, que com seus textos, traz à tona à história terrestre que ilustram e
complementam a história dos naufrágios, para completar esta tripulação, o meu
grande amigo, jornalista, escritor e poeta Fernando Coelho, que retratará
divinamente os contos e a as poesias dos mares da Bahia colonial e
histórica.
Ainda
para falar do ecossistema da baia de todos os santos, também estará a bordo o
Grupo Gérmen, na pessoa de José Augusto Saraiva, um profundo conhecedor deste
vasto território com uma extensão de 1.233 km² e profundidade que varia de 9,8 metros,
chegando até 42 metros, com visibilidade de mergulho entre 10 e 20 metros, tem
cerca de 56 ilhas e praias maravilhosas. Todos a bordo...
CAPITULO
I
ONDE
TUDO COMEÇOU
Ainda menino morando em Valença,
passava as minhas férias no Morro de São Paulo, nessa época um paraíso
totalmente diferente da cidade grande e do Morro de hoje, eram quase 3 meses
onde os moradores (nativos) nos recebiam com um prato de mangaba e peixe, não
tinha luz, nem água encanada, sem nenhum conforto que lembrasse a minha casa,
mais era isso que mais nos deixava feliz, esse contato com a natureza, os
amigos, as namoradas e as paqueras que rolava soltas nas varandas das casas
daqueles veranistas que ainda não tinham chegado para veranear.
Pela
manhã bem cedo, juntamente com meu amigo de mergulho e xará cezinha,
nos lançávamos ao mar próximo a ponte do portaló, ponte essa ainda de madeira, passávamos
pelo forte da barra até chegar à ilha do Caitá, para os que não conhecem a ilha
do Caitá é uma pequena ilha que tem apenas um coqueiro que nunca cresce criando assim uma lenda que existia uma pessoa que plantava outro a cada ano ou sempre que a natura o destruía,
esta ilha fica próxima à ilha da saudade, se é que hoje
podemos chamar de "Ilha", devido às habitações irregulares, tornou-se parte
do continente, deixando de ser uma Ilha, lembro bem, que íamos com as meninas,
nas marés baixas e ao retornar a maré estava alta, ou esperávamos pela próxima
maré ou atravessávamos a nado, imagine qual era a melhor opção! E,
para então finalizar nosso mergulho, ao entardecer
chegávamos a terceira praia com o resultado da nossa pescaria:
lagosta, polvo e diversos tipos de peixe, no dia seguinte, fazia tudo de novo.
Ainda
falando do Morro de São Paulo, lembro com saudades dos amigos, do nosso banho na fonte grande, que nunca terminava e que nunca se misturava com o banho das meninas, na festa do Gonçalinho, a festa do doró-dodó, com o refrão
“são gonçalinho e a folha virou”, os leilões e a expectativa da hora em que a
luz do motor dava o sinal para se apagar e, a partir daí, o namoro começava aos
pés da Igreja, o pecado ficava do lado de fora, para os que se lembram, no
banquinho ao lado ou embaixo da amendoeira, também não posso esquecer as
merendas na casa de dona Carmen e o baba ou como alguns conhecem por uma pelada na
praia, Veranistas X Moradores ou Valença X Crus das Almas e tudo terminava em
um gostoso banho de mar.
CAPITULO II
A CARREIRA PROFISSIONAL
Aos 16
anos mudei para Salvador, aqui, continuei mergulhando para pescar, foi quando
conheci um mergulhador, já atuando profissionalmente em empresas especializadas
em operações submarinas, o Pedro Santana, hoje já falecido, resolvemos criar juntos uma empresa de
mergulho profissional a Submersa, a partir daí fiz alguns cursos de mergulho e
juntamente com o Santana criamos o primeiro curso profissional, que se tem
notícia da Bahia, além do curso autônomo amador com batismo (formação) a 30
metros de profundidade, formando mais de 600 alunos, na área da Engenharia
Submarina realizamos e participamos de diversas operações submarinas em
plataformas, navios petroleiros e de cargas, barragens, cais (píer), resgates
de embarcações, pesquisas de naufrágios e outras operações que foram
registradas pela imprensa, devido a sua repercussão, como o resgate do navio
Grego o Cavo Artemidi, com cerca de 160 metros de comprimento, naufragado em 25
de setembro de 1980 após colidir no banco da panela na Baía de Todos os Santos
e vindo a naufragar nas imediações do Banco Santo Antônio, em frente às praias
de Ondina e da barra, em Salvador na Bahia, a 7.5km de distância, cerca de 4
milhas náuticas (1 milha náutica mede 1.853,23 metros) do porto da barra, na
sua carga, lingotes de ferro gusa, cerca de 16.800 toneladas. Infelizmente,
antes de assumir esse resgate um mergulhador veio a falecer, durante a operação
realizada de maneira irresponsável pela empresa detentora da carga e não
especializada nesse tipo de operação, além de não possuir o seu registro junto
a DPC (Delegacia de Portos e Costa), órgão da marinha que fiscaliza e obriga o
cumprimento das normas de segurança do mergulho, chamada de “Portomarinst”, após
esse fato as autoridades obrigaram a detentora da carga a contratar uma empresa
devidamente registrada na DPC, e assim, a Submersa assumiu a operação, sem que
tenha ocorrido nenhum acidente durante todo o período, cerca de 4 anos, do
resgate.
O curioso
desse “acidente” é que a empresa responsável, antes de assumirmos, nos convidou
para conhecer as operações, junto com o Santana notamos que do jeito que estava
sendo realizada a operação do resgate, atravez do içamento das cestas com mais
de uma tonelada utilizando um guindaste e a permanência dos mergulhadores logo abaixo
desse içamento poderia, assim como ocorreu, ocasionar um sério acidente,
infelizmente pouco tempo após a nossa visita um mergulhador morreu devido à
queda de uma dessas cestas, lamentável...
Fig. 2 Imagens do naufrágio do Artemidi
Fonte: Imagens-https://www.brasilmergulho.com/cavo-artemidi/
Um outro
resgate, que não gostaríamos de ter vivido, surgiu após uma solicitação do
capitão dos portos, através de um telefonema à 1 hora da manhã, para ajudar na
busca e no resgate das crianças que foram vitimadas após a colisão de uma
lancha com um rebocador, esse acidente ficou conhecido como o acidente da
lancha do dono da construtora Leblan, sem maiores comentários! Triste...muito
triste!
Ainda
falando de operações que se tornaram notícia, essa foi de repercussão nacional
e internacional, o resgate de um contêiner que trazia uma carga de trietil
alumínio e veio a cair no mar durante uma operação de desembarque no porto de
Salvador, esse produto quando em contato direto com a agua explode, nesse caso
o produto estava acondicionado em um container de ferro ou outro material que
evitava o seu contato com a agua, tornando-se uma operação delicada e
juntamente com a equipe de mergulhadores e de superfície, promovemos o resgate com sucesso, se vale a
lei de que o ser humano precisa de pelo menos 15 minutos de gloria nessa operação
já tivemos o nosso...Nessa operação, infelizmente, não existia mais a sociedade
com o Santana
As operações submarinas profissionais;
Diversas
foram as operações realizadas por todo o Brasil, plataformas, navios
petroleiros e de carga, resgates de embarcações e suas cargas, barragens,
construção de cais (píer), enrocamentos, inspeções em dutos de petróleo,
batimetria e outros serviços de engenharia submarina, sim, existe a engenharia
submarina e, para que a empresa possa executar essas funções, ela precisa ter
um registro no CREA, ter Engenheiro responsável e medico hiperbárico para poder
cuidar da saúde da equipe de mergulho e dos equipamentos utilizados nessas
operações; garrafas de mergulho, compressores, mangueiras e equipamentos de
apoio que são devidamente inspecionados pelas capitanias dos Portos por todo o Brasil seguindo às normas de portarias especificas.
Foram
tantas operações que teria dificuldade em descrever qual foi a mais importante,
mais às operações que envolvia plataformas de petróleo eram sempre às mais difíceis
porque as equipes de mergulho só são chamadas quando não existe mais saída, ou
seja, já tentaram de tudo e quando a equipe chega a bordo precisa imediatamente
cair na agua sem que seja levada em consideração às condições de mar, essa
pressão é devido ao valor elevado do custo operacional de uma plataforma, cerca
de 30 a 50 mil dólares a diária e a cada dia da plataforma parada, por conta desse
custo, a pressão aumenta e ai, cabe ao supervisor de mergulho cuidar da
segurança da sua equipe, apesar das pressões.
A minha homenagem;
Não
poderia deixar de dedicar um capítulo desse diário a memória do Pedro Santana,
meu sócio, que juntos criamos a Submersa, um profissional capaz, experiente com
curso na Marinha e na Itália, mergulho saturado, a mais de 200 metros de
profundidade, o chamado mergulho fundo, trabalhou em diversas empresas de
engenharia submarina como a Engesub empresa com sede no Rio de Janeiro, além de
possuir uma capacidade intelectual privilegiada.
Não
poderia deixar de falar também dos Profissionais que participaram dessas
operações, o José Lauro, já falecido, também com curso de mergulho fundo, o
Robson Viana, o Silvio Motta e outros que colaboraram nessas operações
submarinas.
O curso de mergulho;
O curso
de mergulho foi a porta de entrada para podermos apresentar os nossos trabalhos
para a cidade, tivemos mais de 600 alunos formados atravez de um curso especial
que procurava preparar o mergulhador para a imersão no mundo submarino, amador,
autônomo e profissional, enquanto os cursos autônomos pelo Brasil atingiam na sua primeira fase à
profundidade máxima de 10 metros o da Submersa era de 30 metros, além da
capacitação técnica aprofundada, sempre preparando o mergulhador para as intemperes
do mar.
Os alunos;
Durante a nossa existência credenciamos cerca de 600 mergulhadores que nos ajudaram a divulgar e dar continuidade ao curso, todos foram especiais, mais tivemos alguns mais especiais ainda, que nos ajudaram a manter financeiramente, desculpe a palavra financeira, mais infelizmente toda e qualquer operação submarina necessita de muitos recursos. Lembro bem, quando decidimos finalizar o curso, devido justamente a falta dos tais recursos durante a aula informamos aos alunos que eles estavam participando do último curso, por surpresa nossa, no dia seguinte, recebemos uma ligação da secretaria de um dos alunos, o nosso amigo Claudio Baeta, pedindo para que fôssemos até o seu escritório, aí veio a surpresa, ele era um dos donos de uma das maiores agências de propaganda da Bahia e nos informou que não iríamos parar e que ele iria, juntamente com os amigos, promover uma campanha publicitária, fato que permitiu a retomada e continuidade das nossas atividades.
Durante a nossa existência credenciamos cerca de 600 mergulhadores que nos ajudaram a divulgar e dar continuidade ao curso, todos foram especiais, mais tivemos alguns mais especiais ainda, que nos ajudaram a manter financeiramente, desculpe a palavra financeira, mais infelizmente toda e qualquer operação submarina necessita de muitos recursos. Lembro bem, quando decidimos finalizar o curso, devido justamente a falta dos tais recursos durante a aula informamos aos alunos que eles estavam participando do último curso, por surpresa nossa, no dia seguinte, recebemos uma ligação da secretaria de um dos alunos, o nosso amigo Claudio Baeta, pedindo para que fôssemos até o seu escritório, aí veio a surpresa, ele era um dos donos de uma das maiores agências de propaganda da Bahia e nos informou que não iríamos parar e que ele iria, juntamente com os amigos, promover uma campanha publicitária, fato que permitiu a retomada e continuidade das nossas atividades.
A descoberta do sitio arqueológico;
Durante
uma aula de mergulho foi descoberto, encontrado, vestígios de uma nau, como vou
relatar adiante, todos os sítios encontrados na Bahia foram casuais e esse não
foi diferente, essa era uma marca, uma localização na baia de todos os santos
dada a mim por um pescador e utilizada por diversas vezes para as nossas aulas
do curso de mergulho, porque oferecia as condições propicias para a imersão e
treinamento dos alunos, ou seja, a profundidade máxima de 30 metros e a mínima
de 19 metros, a profundidade mínima era utilizada, após o mergulho com os
alunos a 30 metros, para uma parada de descompressão programada, além de
oferecer condições de pesca por parte dos instrutores, devido a quantidade de peixes,
lagostas e polvos que procuravam habitar, coincidentemente e naturalmente, os
canhões que estavam nessa área, foi nesse momento que um dos mergulhadores instrutor, relatou que tinha retirado
uma lagosta de um buraco que lhe parecia um canhão, ai fizemos uma nova imersão
e foi constatado que se tratava de um sitio, foi colocado uma boia para
sinalizar o local.
Fig. 3 Reportagem revista Veja Bahia descoberta do sitio |
No dia
seguinte retornamos ao ponto onde foi localizado o sitio e, apesar da boia ter
sido deixada preza a um canhão, não foi possível a sua localização de imediato
devido à alta da maré, ou maré cheia, deixando a boia submersa fora da nossa visão, dificultando a
sua localização, só após o posicionamento atravez das marcas, já cadastradas,
ou seja, posições feitas em terra anteriormente e utilizadas para o curso de
mergulho, foi encontrado o local e a boia, ainda submersa...Como fazemos para
marcar um ponto de mergulho no mar? Procuramos três pontos fixos e de fácil
visualização na terra, cruzamos esses pontos e assim podemos localizar o objeto
no mar com uma certa facilidade. (Vide desenho)
O destino desse sitio;
Após essa
descoberta, fizemos uma solicitação a DPC para a pesquisa e o resgate, mais
diversos fatos ocorreram durante esse processo, a retirada de objetos
foram constantes por piratas
modernos e da própria “Marinha” que utilizando o Navio Gastão Motinho fez a
retirada de uma das ancoras, sem ter feito nenhum mapeamento, descaracterizando
o sitio, peças foram saqueadas, segundo informações, vendidas a ferro velho, como os
pesos de chumbo que eram utilizados pelos tripulantes para medir a
profundidade, além da retirada de moedas de ouro de 1 Guiné, essas eu vi na mão
de uma pessoa, segundo essa pessoa foi entregue a ele por um
dos mergulhadores que explorou o sitio ilegalmente como garantia para o resgate de um relógio que estava
penhorado, pasmem, a valores de hoje cerca de 80 reais. Esses saques, com
certeza, não pararam de acontecer, até os dias de hoje eles ocorrem, porque não
existe fiscalização por parte dos órgãos que são os responsáveis pela sua
guarda.
Continua...
Continua...
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